terça-feira, 6 de novembro de 2007

Floripa e o Pequeno Príncipe

Praia do Campeche


Diz a lenda que o nome da praia (e do bairro) Campeche provém do apelido que um visitante francês deu ao lugar: “Champ et Pêche”, ou seja, Campo de Pesca.


O tal francês era conhecido na época pelos pescadores do local como “Zé do Perri”. “Zé” era ninguém mais que o aviador Antoine de Saint-Exupéry, escritor, entre outras obras, do livro “O Pequeno Príncipe”.


Há uma outra versão para o nome Campeche. Segundo historiadores o nome veio de um vegetal chamado pau-campeche (Hematoxylon campechianum) da familia das Fabaceae utilizado como planta medicinal e para tinturaria, foi bastante procurado no início da civilização. Nota: Curiosamente esse nome científico consta como uma árvore nativa da América Central, segundo a wiquipédia.


Das histórias ficam as lembranças. A rua principal do balneário é uma bela homenagem à mais essa bonita história da ilha da magia: a Avenida Pequeno Príncipe.



Florianópolis - vista do google earth



Exposição Sob os céus do Campeche Mostra conta a vida de Saint-Exupéry, que esteve na Ilha entre 1929 e 1931.

MÁRCIO MIRANDA ALVES - Diário Catarinense

Eram chamados de cavaleiros do céu os pilotos franceses que abriram as primeiras rotas de correio aéreo entre Europa, África e América do Sul, a partir dos anos posteriores à Primeira Guerra Mundial.


No Brasil, diversos aeródromos foram criados para pousos e decolagens daqueles pequenos e inseguros aviões, que tinham pouca autonomia de vôo e enfrentavam freqüentes panes. Um desses aeródromos estava localizado em Florianópolis, na Praia do Campeche, onde os aventureiros faziam escala para repouso e abastecimento.


Entre os pilotos, um deles tinha um nome difícil de pronunciar e anos mais tarde ficaria mundialmente conhecido como escritor e autor do livro O Pequeno Príncipe, publicado em 1943.


A presença de Antoine de Saint-Exupéry na Ilha de Santa Catarina ganha a partir de hoje um selo de autenticidade que deve dobrar os últimos - se ainda existir algum - reticentes. Trata-se da inauguração do Espaço Zeperri, localizado na pousada de mesmo nome e que vai oferecer uma exposição permanente de quadros, pôsteres e banners que contam toda a trajetória de vida do aviador, que nasceu em 1900 e morreu ao cair no Mar Mediterrâneo (alguns biógrafos sugerem que ele teria se suicidado), próximo da costa francesa, em 31 de julho de 1944.


Enviado pela própria família de Exupéry, o material da mostra é o mesmo apresentado na França nas comemorações dos 60 anos de O Pequeno Príncipe, evento organizado pelas edições Gallimard e Fundação Saint-Exupéry. Os textos escritos originalmente em francês estão traduzidos para o português e o inglês. Além dos quadros, também fazem parte da exposição uma canoa artesanal da época, uma maquete do avião Breguet 14 (o primeiro a ser pilotado por Exupéry), uma estante com os livros publicados pelo escritor e objetos temáticos relacionados ao seu personagem mais famoso.


A sobrinha-neta de Exupéry, Hélène DAgay, estará presente na inauguração como representante oficial da família.
- A nossa idéia era valorizar a história cultural do bairro, que não tem apenas sol e praia. Mas não imaginávamos que iria chegar onde chegou - afirma o manezinho e proprietário da pousada Gerson Amorim, que, juntamente com a esposa Elzi e os filhos, dedicou os últimos três meses exclusivamente à organização do espaço, financiado com recursos próprios.
Os mais notórios cavaleiros do céu eram, além de Exupéry, Jean Mermoz (piloto que inaugurou os vôos noturnos entre Rio de Janeiro e Buenos Aires, em 1928, e abriu a rota nos Andes no ano seguinte) e Henri Guillaumet. Os três pilotos mantinham um forte laço de amizade e morreram fazendo o que mais amavam, voar.


Guillaumet, que sobrevivera a um acidente nos Andes, onde ficou vários dias perdido na imensidão das montanhas geladas, seria abatido durante a Segunda Guerra, em 1940, próximo à região da Sardenha, quando transportava um comissário francês até a Síria. Mermoz desapareceu com sua tripulação ao realizar a travessia do Atlântico Sul, em 1936, a bordo de um hidravião.



Lagoa do Peri - "Zé do Perri"


Pesquisas confirmam os relatos orais


A falta de uma prova material sempre foi um argumento forte de alguns historiadores que não acreditam nos relatos orais dos pescadores, principalmente de Seu Deca, cujas descrições da amizade com "Zé Perri" entre 1929 e 1931 foram reveladas em livro pelo filho Getúlio Manoel Inácio.


No entanto, Guillemette de Bure, neta de Marcel Bouilloux-Lafont (empreendedor que expandiu a Aéropostale na América Latina), pesquisou durante 20 anos a história da empresa aérea e não tem dúvidas: tanto Saint-Exupéry quanto Mermoz teriam feito viagens extra-oficiais (voiyages détudes) na região. O resultado da meticulosa pesquisa está no livro Les secrets de LAéropostale (em tradução livre, Os Segredos da Aéropostale), publicado no ano passado.


Já a biógrafa de Exupéry, a norte-americana Stacy de La Bruyère, aponta que o escritor era o chefe do posto em Buenos Aires e sua função era vistoriar todos os aeródromos na América do Sul, o que incluiria Florianópolis e Pelotas (RS), no Sul do Brasil.


- Conversei com a Guillemette durante as minhas pesquisas e ela também acredita que não haveria motivo para o Saint-Exupéry não ter estado no Campeche - diz a doutora em Relações Franco-Brasileiras e pós-doutoranda pela Fapesp, Mônica Cristina Corrêa (veja entrevista), que tem se dedicado ao tema e responde pela curadoria da exposição, com a assistência da bibliotecária Marfísia Lancellotti, ex-diretora técnica da Biblioteca Mário de Andrade.


Muito além do livro O Pequeno Príncipe


Além de ter uma função educativa, o espaço também vai promover a ampliação da importância de Saint-Exupéry para a literatura, que não se restringe a O Pequeno Príncipe. O francês escreveu vários outros livros, como Vôo Noturno (1931), Correio Sul (1929) e Terra dos Homens (1939), este último traduzido por Rubem Braga, todos relacionados de alguma forma à aviação e às aventuras dos cavaleiros do céu.


- Não estamos desvalorizando o seu livro mais conhecido, mas o Saint-Exupéry não é o Pequeno Príncipe. Ele ficou estigmatizado. Existem muitas outras histórias escritas a partir de suas experiências como aviador - destaca Mônica.


Afora a mostra, Antoine de Saint-Exupéry já é lembrado no Campeche com um memorial e com o nome de uma avenida (Av. Pequeno Príncipe). Um vídeo foi realizado por alunos do curso de cinema da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), intitulado Zé Perri no Campeche (2000). A pista de pouso ainda existe e pertence à Aeronáutica. O Espaço Zeperri ficará aberto para visitação pública de turistas, estudantes e outros interessados, com agendamento, e a exposição passa a pertencer definitivamente ao Campeche.



Réplica do avião que Exupéry aterrisava no Campeche


Exposição "Não existe contradição" Entrevista Mônica Cristina Corrêa, curadora


Diário Catarinense - A passagem de Saint-Exupéry por Florianópolis sempre foi encarado com um certo ceticismo por alguns historiadores. Ainda existe alguma dúvida sobre isso?


Mônica Cristina Corrêa - Eu posso afirmar que não. A descoberta do campo de aviação do Campeche e a compra do terreno pelo piloto Paul Vachet mostra uma relação de grande amizade e empatia com os pescadores, tanto que ele usa até palavras em português, como "compadre", "comadre", "abraço", para dizer como eles se sentiam e se relacionavam. Existem vários livros que mostram essa relação de amizade entre eles. Mais importante é que a neta do Bouilloux-Lafont, Guillemette de Bure, sabe e afirmou que tanto Exupéry quanto Mermoz fizeram várias viagens extra oficiais no Campeche. E há outra coisa contundente. Exupéry era chefe da LAéropostale, portanto era o responsável pela supervisão de todos os aeródromos da costa brasileira. Obrigatoriamente essa supervisão incluía visitas. Por que ele pularia Florianópolis?


DC - No livro Vôo Noturno, Saint-Exupéry diz: "A escala em Florianópolis não observou as instruções. Essa seria a maior das provas?


Mônica - É uma prova escrita, do autor falando sobre Florianópolis, mas a gente não pode se agarrar única e exclusivamente a isso. Outros pilotos falam disso, registraram Florianópolis. Eu acho que o ceticismo está ligado à tradição oral. Por que a gente daria importância a um pescador analfabeto, que contava essas histórias, como o Seu Deca? Isso é uma maneira quase brasileira de desacreditar sua cultura. Comparando o relato do Getúlio, que é uma transmissão do relato do pai, com o que a gente sabe da presença francesa por aqui, não existe contradição. Muito pelo contrário.


DC - Mas como se daria essa conversação entre pescadores analfabetos e pilotos franceses que não falavam o português?


Mônica - É exatamente isso que o Vachet nos mostra. Ele desceu na praia do Campeche, escolheu o lugar da pista, e precisava regularizar os títulos de propriedade para legalizar o aeródromo. Ele só poderia negociar isso com os pescadores e não falava português. Então ele chamou um juiz de paz de Florianópolis para fazer os casamentos. Ele foi padrinho, juntamente com a esposa, do casamento legal desses pescadores. E toda vez que ele descia, era cercado pelos pescadores. Recebia tapinhas carinhosos nas costas e era chamado de compadre. Essa forma de comunicação se amplia para além da palavra e os pilotos também faziam os seus esforços para serem entendidos. Em vários lugares do Brasil os aviões entravam em pane e caíam. E para tirar o avião daquela situação, na praia ou na selva, quem ajudava no serviço eram os habitantes locais, que nunca falaram francês. Supor que eles somente poderiam criar um vínculo se um falasse português ou o outro francês é uma coisa muito "moderninha". A comunicação humana não se restringe à palavra.


DC - Por que a pista de pouso do Campeche era tão importante estrategicamente para os pilotos?


Mônica - Porque o vôo do Rio de Janeiro para Buenos Aires era complicado, por conta da natureza, dos acidentes geográficos, dos ventos. Os aviões da época eram muito precários e não tinham combustível nem condições de fazer um vôo direto do Rio de Janeiro até Buenos Aires. Existiam aeródromos na costa inteira, com hangares que guardavam todos os equipamentos necessários, peças de reposição, combustível e aviões reserva.


DC - Onde podemos identificar essa "herança" deixada pelos pilotos franceses em Florianópolis?


Mônica - Tem uma coisa interessante que é a palavra "popote", muito repetida aqui e que tem vários significados em francês. É uma marmita ou também um lugar onde os militares se reúnem para comer, um refeitório. Imaginei que se tratasse de um galicismo, uma palavra como "suflê" ou "musse" e tantas outras que passaram para o vocabulário português. Mas não se trata de um galicismo, ela é uma palavra do vocabulário local.


DC - Você acha que Florianópolis deveria aproveitar melhor, turisticamente, esse aspecto da história? De que forma?


Mônica - É isso que estamos tentando fazer. O turista também busca a cultura da história local. O Espaço Zeperri quer proporcionar uma fonte de informações sobre o tema. Existe muita coisa na Ilha que se refere à aviação e a Saint-Exupéry. O que falta é reunir e traduzir todos os documentos que dizem respeito a essa presença francesa. A gente pode ir além da praia e da aventura, também podemos ter cultura.



Antoine de Saint Exupéry - escritor entre tantas obras de "O Pequeno Príncipe"


Pesquisa: web e jornal Diário Catarinense.