Jean-Michel Cousteau retrata "fauna política" amazônica numa continuação de roteiro de viagem que seu pai fez em 1982. O documentário, além de revelar a floresta, ilustra no cenário a estrutura de poder na região, onde além dos habitantes da floresta mostra o atuante "bicho-homem" tanto defensores como destruidores da rica biodiversidade.
O documentário foi feito especialmente com fundos para ser divulgada em TV Aberta mas até agora nenhuma emissora se interessou.
Jean-Michel Cousteau tem 70 anos, é arquiteto e ambientalista. Diz na entrevista concedida à Folha de São Paulo de 23/07 (colada abaixo) que paradoxalmente o fim das Farc poderá estender desmate à Amazônia Colombiana. O documentário se difere do feito pelo seu pai à 27 anos no quesito tecnologia, onde a equipe pôde ser menor e o tempo de conclusão do filme reduzido pela metade. Jean-Michel ainda diz que muita coisa ficou de fora do filme, tamanha quantidade de material produzido.
Jean-Michel Cousteau caminha em mata perto de Manaus.
Em entrevista à Folha, Cousteau fala da viagem:
FOLHA - Quanto tempo o senhor passou na Amazônia desta vez?
JEAN-MICHEL COUSTEAU - Dez meses. Cinco meses no período da seca e cinco meses no período chuvoso, no ano passado e no ano retrasado. Oficialmente, produzimos um programa de duas horas para a televisão, mas na realidade voltamos com muito mais material. Então, estou um pouco frustrado porque há muitos assuntos que não entraram. Eu esperava que, caso a televisão na América do Sul se interessasse, pudéssemos fazer um programa de três horas, mas isso não ocorreu.
FOLHA - O que foi diferente da expedição anterior?
COUSTEAU - Na expedição realizada há 27 anos, passamos 20 meses na Amazônia, com 50 pessoas, com pouca comunicação, pois a tecnologia não estava avançada naquela época. Era difícil se conectar com outras partes da região e, por isso, foi uma aventura maior. Dessa vez, com a tecnologia, ficamos conectados. Tínhamos telefone por satélite que funcionava bem. Estávamos numa equipe de cerca de 20 pessoas. Em dez meses fizemos quase 10 mil quilômetros de viagem. Conseguimos ir a muitos lugares, talvez até mais do que nos 20 meses da expedição passada.
FOLHA - Em quais países?
COUSTEAU - Nós fomos para Peru, Brasil e Colômbia. Não passamos por Venezuela, Bolívia e Equador, por exemplo.
FOLHA - Os satélites mostram que a taxa de desmatamento está aumentando na Amazônia...
COUSTEAU - Eu não sei por que, exatamente. Grandes corporações, como a Cargill, estão priorizando compras a produtos que não desmatam a floresta e que são produzidos em áreas degradadas anteriormente. Não quero pintar um quadro totalmente negativo porque há muitos esforços sendo feitos. Mas, em geral, 90% a 95% das árvores são cortadas ilegalmente. Algumas são cortadas pela madeira, outras, para abrir espaço para gado, soja...
Quando estávamos lá os satélites mostravam que havia 72 mil queimadas ao mesmo tempo. É chocante, mas estamos falando de uma região que é maior que os EUA. Como são nove países, alguns estão fazendo mais do que os outros. Em geral, o Brasil está tentando fazer um bom trabalho, mais que a maioria dos outros países.
FOLHA - Hoje já se sabe que a Amazônia não é o "pulmão do mundo". Como o sr. faz para para convencer o público de sua importância?
COUSTEAU - Sim, isso está errado. Mas, e as emissões de CO2? É disso que se trata. A floresta tropical tem a ver com a umidade e é importante para manter o sistema e para controlar o clima. Se for cortada, trará enormes conseqüências climáticas. Proteger a Amazônia não é questão só dos nove países, mas do mundo. Então, temos de pagar por isso, há um preço. Isso tem a ver com saúde, com água, com não precisar colocar ar-condicionado em casa porque ficou muito quente.
FOLHA - Os governos de outros países devem pagar?
COUSTEAU - Nós devemos, não me importa se são os governos ou as pessoas em geral. Nós, de fora, precisamos ou calar a boca ou oferecer assistência se é desejado. O certo é pagar, porque estamos tendo algo em troca. Se alguém dá R$ 10, um bilhão de pessoas são R$ 10 bilhões por ano. É muito dinheiro.
FOLHA - O que chama mais à atenção em relação à viagem de 1982?
COUSTEAU - Há muito mais gente na Amazônia. O governo militar encorajava pessoas a se mudarem para lá pois chamava a região de um "deserto verde", que precisava ser ocupado.
FOLHA - O que o senhor pensa de Mato Grosso, Estado bastante criticado pelo desmatamento?
COUSTEAU - Como se pode ter um governador que tem a maior produção de soja do planeta e não ter conflito com o ambiente? Mas as pessoas gostam dele [Blairo Maggi], elegeram-no. Porque agora têm emprego. Mas por quanto tempo? Ele realmente se preocupa com seus netos que vão ficar sem emprego porque não vai sobrar nada lá? Enquanto isso, não sei se ele está fazendo muito dinheiro. Ele dorme bem à noite? Não sei. Eu gostaria de conversar com ele, marquei uma reunião, mas ele conseguiu evitar...
FOLHA - Há muitas questões internacionais sobre a Amazônia...
COUSTEAU - Sim, por exemplo, o que acontecerá na Colômbia agora que as Farc perderam força? Apesar de eu não concordar [com as Farc], a conseqüência é que a presença delas protegeu a floresta na Colômbia, um paradoxo. Quando elas se forem, o que vai acontecer?
FOLHA - O sr. se deparou com guerrilheiros em sua passagem lá?
COUSTEAU - Não desta vez. Estávamos bem perto, sabíamos onde eles estavam.
FOLHA - Mas pediram permissão às Farc para entrar na região?
COUSTEAU - Ah, sim. As pessoas que nos deram permissão não queriam que nos machucássemos e diziam até onde podíamos ir. Foi tudo bem.
Fonte: Folha de São Paulo
Foto: Carrie Vonderhaar/Ocean Futures Society/KQED
quinta-feira, 24 de julho de 2008
Entrevista com o filho de Jacques Cousteau.
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