O mergulhador Luc Vanrell segura foto de avião similar ao pilotado por Saint-Exupéry
Após o desaparecimento de Amelia Earhart, a morte de Antoine de Saint-Exupéry em uma missão de reconhecimento na Segunda Guerra Mundial há muito é considerada um dos maiores mistérios da aviação. Agora, graças à tenacidade e sorte de dois arqueólogos amadores, as últimas peças do quebra-cabeça parecem ter sido encaixadas.
A história que surgiu sobre o desaparecimento de Saint-Exupéry, o aviador, autor e um refugiado francês da França de Vichy, provou conter várias narrativas, uma complexidade que provavelmente agradaria ao autor de vários livros de aventura sobra aviação e da história encantadora "O Pequeno Príncipe", sobre um pequeno viajante interestelar, que também era uma profunda declaração de fé.
Em 31 de julho de 1944, Saint-Exupéry decolou da ilha de Córsega em um Lockheed Lightning P-38 para um vôo de reconhecimento; ele era um dos vários pilotos franceses que auxiliavam o esforço de guerra americano. Saint-Exupéry nunca voltou, e ao longo dos anos várias teorias surgiram: a de que tinha sido abatido, perdido o controle de seu avião, até mesmo cometido suicídio.
A primeira pista surgiu em setembro de 1998, quando pescadores desta cidade portuária no Mediterrâneo pegaram uma pulseira prateada em suas redes. Ela continha os nomes de Saint-Exupéry e a de sua editora de Nova York. Maiores buscas por mergulhadores revelaram os destroços altamente danificados de seu avião, apesar do corpo do piloto nunca ter sido encontrado.
"Eu tinha acabado de assistir 'Titanic' e após alguns copos de pastis, eu refleti: 'Vamos fazer um filme e choverão dólares'", disse Jean-Claude Bianco, 63 anos, em cujo barco a pulseira foi descoberta.
O filme nunca foi feito, mas a notícia da pulseira levou Luc Vanrell, 48 anos, um treinador de mergulho e arqueólogo marinho, a inspecionar mais atentamente alguns destroços que notou anos antes, enterrados na areia a 170 pés de profundidade, próximos dos destroços do avião de Saint-Exupéry. Um bloco de motor com número de série e um símbolo da Skoda, a empresa tcheca que era a fornecedora não intencional dos alemães, provou ser o de um motor de avião Daimler-Benz V-12.
Em 2005, após numerosos atrasos burocráticos, Vanrell e outro mergulhador, Lino von Gartzen, conseguiram içar o motor e enviá-lo para Munique, para estudo por especialistas alemães. Ele revelou ser parte de uma série produzida no início de 1941 -a vela de ignição mais velha era de março de 1941. Ela tinha sido modificada em 1943 com a adição de uma bomba de injeção de combustível Bosch.
Os pesquisadores deduziram que fazia parte de um caça Messerschmitt, parte de uma unidade de treinamento estacionada no sul da França de 1942 a 1944. Ele era pilotado pelo príncipe Alexis von Bentheim und Steinfurt, um jovem de 22 anos que foi abatido por aviões americanos no final de 1943, em seu primeiro e último vôo solo. A história poderia ter acabado lá, com a morte do príncipe e do autor do "Pequeno Príncipe". Mas Von Gartzen não estava contente. Consultando arquivos e com a ajuda de uma equipe da "Jaegerblatt", uma revista para veteranos da Luftwaffe, ele rastreou veteranos que voaram na unidade de Von Bentheim, a Jagdgruppe 200. Ele contatou centenas de ex-pilotos, a maioria atualmente octogenária; outras centenas já faleceram.
Então em julho de 2006, ele telefonou para um ex-piloto em Wiesbaden, Horst Rippert, explicando que procurava por informação sobre Saint-Exupéry. Sem hesitar, Rippert respondeu: "Não precisa procurar mais. Eu abati Saint-Exupéry".
Rippert, que completará 86 anos em maio, trabalhou como repórter esportivo de televisão após a guerra. Foi apenas dias após ter abatido um P-38 com as cores francesas perto de Marselha que ele soube do desaparecimento de Saint-Exupéry.
Ele estava convencido de que o tinha abatido, apesar de ter confidenciado sua convicção apenas a um diário. Em 2003, quando soube que o avião de Saint-Exupéry tinha sido localizado, sua suspeita foi confirmada. Mas ainda assim, ele não disse nada publicamente.
Ao longo dos anos, a idéia de que poderia ter matado Saint-Exupéry incomodou Rippert. Na juventude nos anos 30, ele idolatrava o aviador-autor e devorava seus livros, começando por "Correio do Sul", em 1929, uma história de aventura escrita enquanto Saint-Exupéry voava a rota entre Casablanca e Dacar.
Quando a identidade de Rippert foi finalmente divulgada em março, a tempestade de pedidos de entrevista e esforços para contatá-lo foi tamanha que ele sumiu de vista. "Os últimos dias foram terríveis, com o telefone e a campainha tocando o tempo todo, dia e noite", disse sua esposa, por telefone, antes de desligar.
Falta evidência para apoiar a alegação de Rippert, pois documentos, como os registros de vôo, foram destruídos na guerra. Mas Rippert descreveu em detalhes para Von Gartzen como no verão de 1944, o radar alemão alertou seu esquadrão de caças em Marignane, perto de Marselha, sobre um grupo de aviões de reconhecimento aliados sobrevoando o Mediterrâneo. Rippert, que tinha 22 anos na época, encontrou um P-38 com cores francesas e o abateu.
Ele descreveu os incomuns loops evasivos executados por Saint-Exupéry, que na época tinha 44 anos, estava acima do peso e sentia dores das fraturas sofridas nos vários acidentes de vôo. Vários dias depois, quando a rádio alemã interceptou os relatos americanos da busca por Saint-Exupéry, ele suspeitou que poderia ter abatido seu ídolo. Quando Rippert lhe contou do momento em que soube que Saint-Exupéry estava desaparecido, "ele tinha lágrimas nos olhos", disse Von Gartzen.
A falta de evidência, além das circunstâncias, levou alguns a expressarem uma leve descrença, Von Gartzen entre eles. "Está além dos princípios normais de probabilidade", ele disse, acrescentando: "Todavia, continua sendo uma hipótese bem fundamentada".
Em Paris, o sobrinho-neto de Saint-Exupéry, Olivier d'Agay, que é um porta-voz da família, disse que a versão de Rippert dos eventos era crível. "Tudo o que ele disse foi que atingiu e abateu um P-38 naquela região em 31 de julho -ele nunca disse que abateu Saint-Exupéry", disse D'Agay. "É claro, ele se perguntou se era verdade, apesar de ter guardado para si mesmo."
"Rippert disse que freqüentemente se sentia desesperado. Se ele soubesse o que estava fazendo, nunca teria feito aquilo."
John Tagliabue
Em Marselha, França
Tradução: George El Khouri Andolfato