sexta-feira, 25 de setembro de 2009

MEIO AMBIENTE VIROU MOEDA DE TROCA

Quando pensei um dia em ter uma área protegida transformada em Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), uma Unidade de Conservação protegida em caráter perpétuo, tive grande inspiração da Maria Tereza Jorge Pádua, que mostrou um caminho de possibilidades magníficas para a colaboração com o Meio Ambiente. Hoje os desafios são muitos. No seu artigo no O ECO ela diz muita coisa que já pensei em escrever aqui e conversei por aí. Vale a reflexão e o desafio futuro é o Meio Ambiente se encontrar no seu perdido caminho.


QUAL O LIMITE DA DECEPÇÃO?
Maria Tereza Jorge Pádua, no O ECO

As modificações draconianas das normas ambientais, em especial aquelas concernentes ao Código Florestal em vigor no país, ou seja, Lei 4771 de 1965, já se banalizaram a tal ponto que sequer as organizações ambientais mais ferozes estão se mobilizando. É muito preocupante se assistir à derrocada do setor ambiental, sem que a população seja bem informada pela mídia, a ponto de reagir. As próprias autoridades constituídas para cuidarem do meio ambiente propõem constantemente resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e modificações da legislação em vigor abrindo as Áreas de Preservação Permanente (APPs) e as Reservas Legais, para não falar de uma corriqueira mudança de categorias de unidades de conservação das mais restritas para as menos restritas.

Tudo vem mudando celeremente em prejuízo claro para a conservação da natureza. Desde que escrevo para Oeco venho constatando e escrevendo sobre as políticas tendenciosas que nossos governantes têm adotado. Meio ambiente virou moeda de troca. As resoluções do CONAMA mais parecem ser dispositivos de ministérios envolvidos profundamente com o Programa de Aceleração do Crescimento, o famoso PAC. Ademais, o próprio CONAMA tem perdido gradativamente as suas atribuições e poderes e é cada dia mais fraco e indeciso. Pior ainda, este governo exerce ameaças constantes e públicas contra o mecanismo de licenciamento ambiental, contra os ambientalistas e até contra os funcionários públicos que cumprem seu dever de exigir trabalho sério das empreiteiras que constroem as obras do governo.

Se pode tudo. Aceitar as “pequenas” centrais hidroelétricas (PCHs) de “baixo impacto ambiental” sem estudos de impacto ambiental, nem relatório de impacto ambiental. E assim as PCHs proliferaram nos rios do Brasil, sem se ter uma visão do que está acontecendo nas bacias ou micro bacias hidrográficas, sem que a sociedade perceba que a maioria provoca sim, grandes impactos ambientais. Comem cachoeiras magníficas, matas ciliares, até capões de araucárias, se interfere no fluxo natural de enchentes e vazantes na planície pantaneira com a maior desfaçatez, se destrói o potencial pesqueiro e se alteram as condições vitais para a fauna. Basta como exemplo, conhecer-se a proposta de PCHs no rio Silveira no Estado do Rio Grande do Sul, que, se autorizadas, afetarão o magnífico Cachoeirão dos Rodrigues e talvez o melhor resquício de mata de araucárias com samambaiaçus gigantes e o fenômeno dos rios que correm paralelos, um deles exatamente o rio Silveira. Para este rio a PCH não tem nada de “pequena”. É, simplesmente, o fim do rio e do enorme potencial turístico da região.

Nas APPs se permite até sistemas agroflorestais sustentáveis, embora se tenha demonstrado até a exaustão que estes sistemas, quando cortam árvores ao invés de plantá-las, são mais que tudo, formas de se provocar mais desmatamentos. Se pode quase tudo nas APPs urbanas, até parques infantis, parques urbanos e ciclovias. Agora também se propõe, e o ministro de meio ambiente parece estar de acordo, que as APPs sejam incluídas nas reservas legais previstas para cada propriedade rural. Mais se propõe que alguns plantios de frutas, ou seja, o uso da permacultura seja considerado factível na Reserva Legal.

Mudam-se constantemente, seja no nível federal ou estadual, categorias de unidades de conservação como Parques Nacionais, Reservas Biológicas e Estações Ecológicas em outras menos restritivas que compõem “um mosaico”, como se o uso do termo salvasse a biodiversidade e /ou os recursos naturais que deveriam ser protegidos para benefício da sociedade. Chega-se ao desplante de chamar as áreas protegidas de “terras congeladas”, como se não tivessem nenhuma utilidade ou objetivo, como se fossem criaturas indesejáveis propostas por lunáticos.

Com tudo isso acontecendo pretende-se, ao mesmo tempo, evitar os desbarrancamentos, as erosões, a sedimentação, as enchentes, as mudanças climáticas, como em um passe de mágica. Claro que o clima também provoca esses fenômenos, mas o uso abusivo do solo, o não se cumprir medidas outrora previstas na legislação, modificada de forma tão irresponsável, acelera as destruições, os desabamentos, as mortes. Por motivos políticos as autoridades constituídas deixam “os pobres” se estabelecerem em áreas de risco, muitas vezes em plenas APPs, que deveriam estar no mínimo cobertas por vegetação natural. Aí quando há mortes a culpa é do clima. E, aproveitando-se da permissividade, os ricos também pulam na ocasião de instalarem residências na beira de rios e nas ladeiras com vista privilegiada.

As áreas protegidas nunca foram tão mal cuidadas ou faladas. Basta que grupos insignificantes de índios, ou quilombolas, ou “populações tradicionais”, bem assessorados por anarquistas, proponham qualquer direito sobre elas, que, sem estudos mais sérios e como que por esmola se dilaceram as unidades de conservação. Dão milhares de hectares, creio que porque nem têm noção do que é um hectare e porque são terras de ninguém e as autoridades do poder público encarregado de administrá-las para o bem comum não as quer na verdade, não lhes importa. Chegou-se ao absurdo de 19 famílias de quilombolas reivindicarem, com o beneplácito das autoridades, mais de 900.000 hectares do Parque Nacional do Jaú, no estado do Amazonas. Há países no mundo que não possuem este tamanho.

A última novidade do CONAMA foi quase aprovar uma minuta de resolução preparada pelo Ministério do Meio Ambiente, ou com sua anuência, e com o beneplácito de ONGs chapa branca diminuindo ou modificando o dispositivo legal ora em vigor que considera restingas APPs. Claro que agora não para agradar os “pobres”, mas os ricos do setor imobiliário que evidentemente querem ocupar as praias e a orla com seus hotéis e resorts de luxo, se possível com campos de golfe, também.

E o que estão fazendo as autoridades federais para interferirem no Código Florestal de Santa Catarina que é flagrantemente contra a disposição da legislação federal? Parece brincadeira se desmatar mais o estado que tanto vem sofrendo com os desastres ditos “naturais”. Digam à população, que se todos tivessem obedecido ao Código Florestal o desastre teria sido muito menor, menos triste, menos prejudicial.

Qual é o limite de irresponsabilidade dos nossos governantes com relação à área ambiental? Já apequenaram o IBAMA, que chegou a ser um órgão respeitado no passado. Já criaram o monstrengo do ICMBio. Já diminuíram o CONAMA. Já compraram a maioria das pequenas ONGs, que hoje são “chapas brancas”. Já fizeram dos órgãos ambientais plataformas para candidaturas de deputados e senadores. Quando vão parar? Qual é o limite que a sociedade desinformada ou mal informada vai aceitar?