Em nosso atual momento político não há quase nenhuma novidade. Advinha quem está pleiteando a cadeira de Presidente do Senado Federal atualmente? José Sarney. A dinastia Maranhense, ou melhor, a saga dessa família Sarney de 1966 até os dias de hoje, não por acaso um dos estados mais pobres e atrasados da federação, não contente com tantas décadas de poder naquele pobre estado continua a querer fazer do Brasil o "seu Maranhão".
Veja a história completa num relato feito pelo professor do Departamento de História da UFSC, Valdir José Rampinelli, que colo abaixo. A matéria foi publicada no jornal Diário Catarinense no dia 10 deste mês e explica um pouco da "nova Balaiada". A matéria é sobre um livro que foi lançado no dia 19 de dezembro de 2008 em São Luís (MA) - A INVENÇÃO DE UMA RAINHA DE ESPADA - reutilizações e embaraços na política do Maranhão dinástico (Editora da UFMA), tese de doutorado da professora Maria de Fátima da Costa Gonçalves, da Universidade Federal do maranhão.
O Maranhão é aqui! Enquanto não houver uma reforma política, é isso o que vamos ver. Dá para entender coisas como a proposta do deputado Edison Lobão Filho (PMDB-MA) - filho do ministro de Minas e Energia Edison Lobão (farinhas do mesmo saco de miséria) - para mudar o limite de geração das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), de 30 para 50 MW. Se o projeto for aprovado na Câmara, empreendimentos mais robustos poderão ser erguidos sem a exigência de estudo de impacto ambiental. A brecha tem motivado a construção em sequência de pequenas usinas, que geram impactos cumulativos nem sempre levados em consideração na hora de conceder as licenças ambientais.
E pensar que o Presidente Lula poderia acabar com essa dinastia...
O presidente Lula, durante a campanha de reeleição, posa ao lado de Roseana Sarney, a quem deu apoio na eleição para o governo do maranhão, em outubro de 2006.
O Maranhão, um dos estados mais pobres do Brasil, tem sido governado sistematicamente por estruturas oligárquicas que, com o apoio do poder central, vêm mantendo a região em uma situação de atraso, de dependência e de curral eleitoral. Os últimos 60 anos de vida política no Maranhão foram marcados por duas dinastias, a de Vitorino Freire, que de 1945 a 1965 desenvolveu relações patrimonialistas, e a de José Sarney – filho político do vitorinismo, mais tarde rompido com sua origem –, que de 1966 aos dias de hoje exerce o mandonismo local.
Acaba de ser lançado – no dia 19 de dezembro de 2008, em São Luís (MA) – o livro A Invenção de uma Rainha de Espada – reatualizações e embaraços na dinâmica política do Maranhão dinástico (Editora da UFMA), tese de doutoramento da professora Maria de Fátima da Costa Gonçalves, da Universidade Federal do Maranhão. O trabalho, dentro de uma perspectiva teórica bourdiana (de Pierre Bourdieu), analisa a dinastia de José Sarney com seus filhos sociais, políticos e biológicos. Roseana Sarney Murad passa a ser a rainha de espada, referência metafórica às cartas do baralho, cujo peso é relacional, já que o espólio político do pai está em jogo naquele Estado.
O livro mostra a tessitura do poder dos Sarney no Maranhão, começando pela Lei de Terras nº 2.979 (17/7/69), que, contrariando as pretensões da Sudene de tornar parte da região úmida do Estado em área de povoamento para os flagelados da seca do Nordeste, instituiu o mercado formal de terras, favorecendo o início do processo de ocupação das mesmas pelos médios e grandes empreendimentos agropecuários. Essa modernização conservadora possibilitou o crescimento do latifúndio, transformado, hoje, em agronegócio exportador em terras de miseráveis. Soja, arroz e eucalipto são alguns dos grandes cultivos do sul maranhense.
A oligarquia sarneysista se escuda em duas estratégias fundamentais para exercer sua hegemonia, quais sejam, no apoio do poder central e nas relações patrimonialistas no próprio Estado do Maranhão. José Sarney é conhecido popularmente pelo apelido de camaleão, aquele que muda de partido de acordo com as conveniências. Nascido e criado dentro da oligarquia vitorinista, contra ela se rebelou, fundando seu grupo de poder dinástico; dado o golpe de Estado de 1964, tornou-se parte integrante de apoio às Forças Armadas, chegando a ser presidente nacional do partido político de sustentação da ditadura militar; acontecida a redemocratização, tornou-se presidente do país por conta da morte de Tancredo Neves, estendendo seu mandato para cinco anos por meio de uma emenda constitucional com votos negociados; escolhido Fernando Henrique Cardoso presidente da República, dele se aproximou, ao ponto de FHC apoiar entusiasticamente a candidatura de Roseana Sarney Murad ao governo do Maranhão por duas vezes; eleito Lula presidente, Sarney tornou-se senador pelo Amapá, Estado que não é o seu, e ao mesmo tempo fez senadora pelo Maranhão sua filha Roseana, sendo ambos apoiadores do governo federal, chegando ela a ser líder do mesmo na Câmara Alta. Além disso, cabe lembrar que entre 1970 e 2004, exceção feita apenas por Oswaldo da Costa Nunes Freire (1974-1979), Sarney foi o gestor de todos os governadores maranhenses.
Por outro lado, a oligarquia sarneysista não aposta em um desenvolvimento autônomo no Maranhão, já que ele significaria o seu próprio fim. Nas principais cidades do estado, com um pouco mais de independência econômica e política, os candidatos da oligarquia vêm perdendo, sucessivamente, as eleições. São Luís e Imperatriz são dois exemplos típicos.
Já Gonçalves aponta em seu livro, como principal estratégia de manutenção e de reprodução das práticas de poder dinástico, a distribuição de cargos e postos entre os parentes consanguíneos, os parentes por alianças, os parentes por afinidades e o compadrio nas mais variadas instituições do estado do Maranhão. José Sarney estabeleceu uma prática privada de exercício político, como também constituiu uma rede de parentesco social ampliado. Para tanto domina os setores da política, da economia, do judiciário, da cultura e das comunicações. Basta ver os nomes dados às obras públicas, tais como a Vila D. Kiola (mãe de José Sarney), Maternidade Marly Sarney (esposa de José Sarney), Creche Rafaela Sarney Murad (neta de José Sarney), Passarela do Samba Roseana Sarney Murad (filha de José Sarney) e o próprio Sarney, que nomeia município, ponte, fórum, escolas e outros. No entanto, o que mais chama a atenção, não pela grandiosidade e sim pela promiscuidade, é o fato de o Tribunal de Contas do Estado do Maranhão, órgão responsável pela fiscalização das contas do governo, ser chamado de Palácio Governadora Roseana Sarney Murad.
Além de José Sarney se reproduzir nas placas de bronze das obras públicas, se apropriou do Convento das Mercês, obra construída no século 17 no qual pregou o Pe. Antônio Vieira, transformando-o em museu particular. Chegou a fazer em um dos pátios internos, debaixo de uma mangueira, um mausoléu, como bom faraó que é, para empalhar seus restos e os de dona Marly. Pegou da União uma ilha – a Curupu –, fazendo-a propriedade privada, onde construiu uma de suas tantas mansões, não permitindo que os pescadores se aproximem dela. Dragas do estado do Maranhão aumentaram a profundidade do “Dono do Mar” para que barcos com maior calado lá chegassem sem problemas. Amante das letras e conhecedor da história, não teve nenhum problema em retirar pedras retangulares (cantaria) das ruas de São Luís, transportadas pelas caravelas portuguesas nos séculos 16 e 17 para dar estabilidade na travessia do Atlântico, calçando suas quintas privadas. É o público e o privado completamente perpassados.
Às vezes o caciquismo sarneysista chega a um estágio tragicômico, como a estratégia atípica adotada para impedir que o irmão do ex-marido de Roseana Sarney Murad – Ricardo Murad – se candidatasse ao governo do Estado, já que concorreria contra ela. Como Roseana estava separada judicialmente de Jorge Francisco Murad, irmão do possível candidato a governador, Ricardo Murad, ela se casou novamente com o ex-marido, impedindo, assim, a candidatura do agora já cunhado.
Ao analisar o poder dinástico no Maranhão, faltou em A Invenção de uma Rainha de Espada mostrar o enriquecimento material da família Sarney; a rápida expansão do Sistema Mirante de Comunicação, uma repetidora da Rede Globo; o crescimento do patrimônio de alguns filhos políticos ilustres da dinastia, conhecidos nacionalmente, como Édison Lobão e Epitácio Cafeteira. Este último, depois de passar do status de aliado a adversário político, retornou à casa do pai em 2005, e esteve envolvido na “Operação Granville”, o até agora não explicado transporte de Cr$ 170 milhões de seu apartamento, em São Luís, para o Rio de Janeiro, em 1990.
A Nova Balaiada – A resistência à oligarquia sarneysista começa a buscar força na história do Maranhão, como no caso da Balaiada (1838-1841), uma revolução acontecida não apenas no interior do Estado, mas em toda a região, que apresentava um caráter de classe bem definido, com trabalhadores escravos, índios explorados e os trabalhadores livres empobrecidos (com o apoio pontual, mais tarde retirado, de um grupo de liberais chamados de Bem-te-vis, que no fundamental respondiam aos interesses da pequena burguesia urbana) lutando contra fazendeiros criollos e grandes comerciantes portugueses que procuravam repassar os custos da crise econômica para as classes debaixo, já que o algodão, principal produto de exportação, sofria forte concorrência do sul dos Estados Unidos. Embora os documentos oficiais do império procurassem descaracterizar o conflito de classes, apresentando-o tão-somente como “rebelião de facínoras” ou “hordas devastadoras”, teve, em determinado momento, que reconhecer que se tratava pelo menos de uma “guerra civil” ou de uma “crua guerra intestina”. A história oficial não conseguiu tirar do imaginário coletivo do povo maranhense esta luta de pobres contra ricos de meados do século 19.
Ocorre que o grupo dinástico de José Sarney, concorrendo mais uma vez ao Executivo estadual em 2006, com apoio declarado do presidente da República, amargou uma dura derrota no segundo turno para Jackson Lago, antigo político oposicionista, ex-prefeito de São Luís e já vencido em outras tentativas de se tornar governador. A derrotada foi nada menos que a guerreira, a Rainha de Espada, ou seja, Roseana Sarney. Desde então, o Maranhão dinástico se levantou e, lançando mão de todos os recursos e subterfúgios jurídicos, está tentando caçar o governo Lago. Diante da iminência da perda de seu mandato, já que o processo caminhou de forma rapidíssima nos tribunais, movimentos populares, sindicatos e partidos políticos de esquerda se reuniram diuturnamente – em meados de dezembro de 2008 – em frente ao Palácio dos Leões, em São Luís, para acompanhar, em um telão, o julgamento no Tribunal Superior Eleitoral. Igualmente, por todo o Maranhão, espalharam-se outdoors acusando a possível cassação de mais um golpe sarneysista. A toda esta movimentação denominou-se de Nova Balaiada, em alusão à luta de classes do século 19. A história, que sempre fora ocultada pela oficialidade, passara a ser utilizada mais uma vez como mecanismo de resistência pelos movimentos populares.
Na verdade, as oligarquias regionais começam a ser golpeadas pelo aumento da luta política e pela conscientização dos grupos organizados. Os movimentos populares, o sindicalismo independente, os partidos políticos comprometidos com as mudanças estruturais, as pesquisas feitas nas universidades com compromissos políticos – como o livro ora comentado – têm contribuído no enfraquecimento dos grupos dinásticos. No entanto, um papel relevante caberia também, ao governo central (Brasília), que poderia ajudar a asfixiar de vez estas estruturas arcaicas de poder. A crise das oligarquias liga-se fundamentalmente à crise do Estado. Terá o presidente Lula interesse em acabar com a oligarquia sarneysista no pobre estado do Maranhão? Os fatos, infelizmente, mostram o contrário. Tampouco a vitória de Jackson Lago aponta diretamente para a superação da mesma. Caberá tão-somente aos maranhenses esse duro embate. Ou seja, Outra Balaida na Ilha da Rebeldia.
* Professor do Departamento de História da UFSC, com doutorado em Ciências Sociais-Política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Organizador e autor do livro História e Poder – a reprodução das elites em Santa Catarina (Insular, Florianópolis, 2003)
TEXTO FEITO POR WALDIR JOSÉ RAMPINELLI *